Somos vítimas de vítimas

Nos últimos anos, aprendi muitas coisas, mas uma das maiores lições veio de um choque de realidade: vivi situações que me fizeram me tornar o tipo de pessoa que um dia eu julguei. Antes, eu olhava para certas atitudes de outras pessoas e, secretamente, pensava: “Eu jamais faria isso”. Até que um dia, me vi naquela mesma posição. Me tornei aquele personagem que critiquei e foi difícil encarar o peso da minha própria condenação.
Essa experiência me fez refletir: será que isso significa que o certo e o errado são relativos? Não, não é esse o ponto. O que percebi é que, muitas vezes, sentimos um prazer imediato ao julgar os outros. Criticamos pessoas que passaram por nossas vidas sem considerar que, em algum momento, essas mesmas pessoas foram importantes para nós. E, fatalmente, mesmo nos considerando boas pessoas, podemos acabar sendo um ponto negativo na história de alguém também.
Nós não somos lineares. Não somos constantes nos nossos acertos. A vida é um jogo dinâmico de erros e acertos, e, inevitavelmente, em algum momento, vamos magoar alguém. Para essa pessoa, talvez tenhamos sido o pior acontecimento de sua vida, ou talvez algo que fizemos a tenha ferido profundamente.
Por muito tempo, enxerguei as pessoas como culpadas ou inocentes. Mas essa forma de ver o mundo tornava minha vida muito pesada. Eu sempre fui firme naquilo em que acredito e nunca tive dificuldades em cortar relações quando alguém agia contra esses valores. E não estou dizendo que flexibilizei isso. No meu ponto de vista, podemos perdoar mas não querer mais manter laços. A questão é: não precisamos (e nem devemos, por lógica) carregar o peso de sentenciar ninguém. Principalmente porque nós não estamos e nunca estaremos no patamar da perfeição.
Se prestarmos atenção, vamos perceber que somos vítimas de vítimas. Todo mundo já sofreu nas mãos de alguém que, por sua vez, também foi ferido antes. Essa cadeia de dor faz com que dividir o mundo entre “bons” e “maus” se torne um fardo impossível de carregar. Não cabe a nós, e ainda bem!
Isso significa que eu nunca mais vou criticar alguém? Não. Sou ser humano, a gente gosta de reclamar, faz parta da nossa natureza e devemos lutar contra. Às vezes, é inevitável soltar um “Nossa, fulano fez isso comigo, que livramento!”.
Mas hoje, se tenho que falar de alguém, prefiro citar as coisas positivas antes das negativas. Sobre as falhas, tento não perpetuar tanto. Acredito que esse tipo de discurso reverbera de alguma forma. Ficar preso aos erros alheios atrai uma energia ruim, sei lá.
O que temos, no fim das contas, é a consciência de que todos nós somos falhos. Somos frutos do pecado e, se ficarmos focados apenas nisso, seremos consumidos pela culpa e pelo peso dos erros – nossos e dos outros. É claro que precisamos ter noção do que é certo e errado, mas penso que o melhor seja nos colocarmos em uma posição de humildade e não de juízes.
Se a vida fosse realmente justa, preto no branco, nós nem estaríamos aqui. De tantos pecados que acumulamos a nossa condenação já deveria estar garantida. Mas ganhamos uma segunda chance. E com essa segunda chance, acho que é mais produtivo tentar aumentar a nossa lista de acertos do que ficar preenchendo e recitando a lista de erros de todos que passam em nossas vidas.
Como eu disse antes: às vezes, estamos em um processo de aprendizado e, coincidentemente, esse processo acontece no tempo em que cruzamos a vida de outra pessoa. E, nesse momento específico, talvez não sejamos capazes de oferecer o nosso melhor. Mas, para essa pessoa, aquela única interação pode ser tudo o que ela terá de referência sobre nós. E se foi um momento ruim, será essa a lembrança que ficará.
Eu quis compartilhar essa reflexão porque sei que outras pessoas como eu – que têm um senso de justiça muito forte, que são extremas no certo e errado, que são rígidas – podem se identificar. Não há problema em ser assim. Ser flexível demais abre margem para que os outros se aproveitem. Então, não se trata de ser bonzinho o tempo todo.
Mas é importante lembrar que não somos juízes da vida de ninguém. Nosso papel não é sentenciar. Nosso papel é aprender cada vez mais sobre o que é certo e errado e agir de acordo com esse conhecimento.
Mal tenho capacidade de gerir minha própria vida, imagina se fosse minha função gerir a dos outros 😂
Entre o certo e o errado há uma lista enorme de variáveis que não cabe a nós interpretar. Ainda bem.